Pra chuchu

Antes do verão, após a primavera, com a chegada da lua cheia aconteceu um acidente geográfico nos quadris de Gertrudes, que mal tinha saído do salão de beleza, levou um tombo que a deixou andando toda torta, perdendo assim um pouco da sua beleza e viço. Coitada da Gertrudes, não fosse a língua, seria uma boa pessoa. Agora, pouco importa. Sei que gostava de andar por esses trechos e sítios, cantar canções antigas e relembrar as manhãs de carnaval em que ficava deitado na relva branca me deliciando com a neve de capins secos que encharcavam meus olhos castanhos com a luminosidade opaca das pedras que o pessoal costumava chamar de cangas. Não sei por que, e nem haveria motivo para saber, já que a poesia andava longe dos meus dedos a procura de outros dedos, dedos mais sensíveis, talvez, embora eu tenha cá comigo que sempre foi assim, nunca nos entendemos bem, nunca houve nem um pingo de camaradagem e espírito de fraternidade entre a gente, o que fazia com que um não quisesse ver meu lado lírico nem que a vaca avacalhasse tudo e ficasse com bronquite aguda e não parasse mais de tossir. Eu não faço poesia, faço prosaesia. Nunca gostei de gatos. Sei lá, e pra lhe falar a verdade, nem de cachorro gosto mais; já gostei, não nego, mas isso aconteceu quando eu era criança. As ideias me vinham à mente de modo generoso e espontâneo, enquanto eu ficava vadiando na Bahia, estando em plena Minas Gerais. Gostava de ir à Praça Castro Alves, ir na parte velha e na parte nova de Salvador, o Elevador Lacerda me levava onde eu quisesse ir com a ajuda do meu bom e velho Vulcabrás. Tempos bons os tempos em que me abaianei. Eu só não gostava quando ia ao Pelourinho, aquilo ali me fazia lembrar de muita maldade praticada no passado; passado pesado aquele! Mas havia o Farol da Barra, a praia de Amaralina onde costumava me banhar e também tinha as baianas, os acarajés, a Baixa do Sapateiro. Não sei por que baiano tem a mania de falar jé, xé, ixi. Prefiro uma Bahia sem Axé Music. O ixi, tudo bem. Estou no Paraná, mudei de rumo, já vejo Curitiba, sinto aquele frio, aquela cidade toda arrumadinha, acho aquilo tudo muito sensato, organizado, o centro da cidade todo iluminado, recordo-me de um relógio imenso que vi num jardim, fui também num lugar cujo nome não recordo agora, e agora acabo de me recordar "Santa Felicidade", tomei vinho por lá. É, do Paraná, não tenho muito o que contar, fiquei lá somente uns dois dias, no máximo. Mas a viagem foi bonita, via-se muitos pinheirais. Ah, esqueci!, eu vi as cachoeiras da Foz do Iguaçu. Parei por lá, coisa dumas 3 horas. Nossa, que legal! Um desbunde como diria algum matuto delicado das bandas de Ipanema! Lembro-me da ponte que a gente passava para ter uma visão melhor, sai de lá meio molhado, os respingos das águas das cachoeiras batiam n`agente, dava uma sensação boa e refrescante. Tinha também uns macaquinhos que ficavam soltos no parque. Lembro-me de ter visto papagaios artesanais também por lá. Bom, deixa pra lá. E São Paulo? Só vi São Paulo muito rapidamente quando fui ao Paraná. O ônibus que eu ia foi até a rodoviária de São Paulo para pegar passageiros. Que loucura achei São Paulo! A cidade já é, em si, um Estado inteiro. Lembro-me do tamanho da cidade, ficou retido nas minhas retinas, no meu joelho é que não poderia ficar. Lembro-me também do rio Tietê. Sujo. Fizeram sujeira com o rio. O rio não é sujo, só está sujo, nós é que somos sujos ao causar. Eu não perco mesmo essa minha mania de querer dar uma de moralista. Como tá na moda ser ecologista, devo prestar pra alguma coisa sim. E o Rio de Janeiro? Um dia no Rio. Achei o centro do Rio bonito, conheci a praia do Flamengo, não entendi direito como é dividida aquela orla, devo ter passado por Copacabana, Ipanema, sei que vi o Pão de Açúcar. Só, e só isso só. Mas sou viajado. Ainda não contei, mas já fui no exterior. Paraguai. Você conhece? Passei pela Ponte da Amizade, não fiz amizade com ninguém, porém vi camelô mais que tudo, barracas e mais barracas e lojas e mais lojas vendendo gravador de fita, calculadora, relógio, óculos ray ban, essas pulseiras e correntes que todo bicheiro que se preza adora, tudo entupido de um monte de badulaques, enfim. Estiquei até uma cidade argentina, acho que o nome dela é Rosário, não sei, se fosse uma mulher que se chamasse Rosário, certamente eu me lembraria, mas comprei uma blusa de lã lá. Brasília, nunca fui. Os políticos fazem com que poucas pessoas se interessem por Brasília e, no entanto, é a única cidade do mundo que tem uma arquitetura tipicamente única. Não gosto, é puro concreto e uma geometria fria e sem arte, embora não haja outra arquitetura igual pelo mundo. Entretanto, o que se gastou para construir Brasília foi o pontapé inicial da corrupção no Brasil em moldes modernos. Mas roubo é roubo em qualquer tempo e espaço. Penso que dinheiro não é para ser exibido e sim para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Melhor seria se a capital continuasse no Rio ou que se mudasse para Goiânia, já que o papo era desenvolver o norte do país, e pombas e banana para Niemeyer e sua arquitetura única. Tudo tem seu valor, mas o Brasil carece mais de educação de qualidade do que arquitetura moderna ou modernosa, sei lá. Portanto, não conhecendo Brasília, nunca fui a Goiás, Mato Grosso... meu grande sonho mesmo sempre foi conhecer a selva amazônica. Gosto de árvores. Eu queria ver a selva, não o rio, já conheço o São Francisco e o Rio Doce, isso já me basta e eles nunca encheram tanto assim os meus olhos. Acho que sou um ser mais vegetal que H2O. Enquanto isso, Gertrudes deve estar estar tomando alguma cerveja da Bavaria, a Bahia já não é mais aquela que conheci e eu acabo de me lembrar de Drummond que disse que conhecia o mundo e mal saia da rua em que morava. Muito engraçado, nasci e moro em Belo Horizonte há uma carquerada de tempo e não posso dizer que conheço BH, nunca fui na maioria dos bairros que há por aqui, há ruas próximas de onde moro que nunca fui nelas. Enquanto isso, pessoas há que vão para a Europa, ficam uma ou duas semanas por lá e saem falando que conheceram o Palácio de Buckingham de Paris, a famosa Torre Eiffel de Londres, o rio Tejo que corta Berlim de rabo a cabo... se perguntarem para elas se elas conhecem a França, Itália, aquilo tudo ali, elas dizem que sim. E emendam "claro, ora bolas, conheço tudo!" E olhe que com esse lance de internet, ficou ainda mais fácil dizer que conhece aquilo e para isso basta ir ao Google (sabe tudo o rapaz!). Puxa, eu queria mesmo era falar de Espinosa!... pena que meu tempo esgotou. Fica pra outra hora. Aqui, o céu promete chover pra chuchu, e eu falei pra chuchu. A filósofa Rita Cadillac deve fazer uma confusão do cão se é chuchu ou xuxu. Mas que ela já deve ter dado mais que chuchu que dá na cerca, deve.

José Edward Guedes

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